UM OLHAR PARA ALEM DO
MENSALÃO.
Essa
pergunta não é de fácil resposta, primeiro pelo simplismo com que a grande
imprensa quase sempre imediatista e midiática poderia dizer “imediática” (termo
novo), denominou de “Mensalão do PT”. Assim, é com essa nomenclatura que iremos
abordar o assunto. Foi dessa forma que o
mensalão nasceu para a imprensa e assim para nós, cidadãos “pobres mortais” É
desse mensalão que nos propomos a buscar sua origem, de como e onde nasceu.
Como tudo
na vida, quando se nasce, no princípio, é sempre algo pequeno, nada que pudesse
imaginar, viesse a ser o monstro com o qual nos deparamos. Assim tal prática
política não diferia em dada de outras tantas tão nefastas quão. Era bem reduzida,
não passava de uma forma de estabelecer relações cordiais com o “inimigo
politico” no pós-eleição, objetivando a governabilidade. Inicialmente ela se
deu na esfera de acanhados municípios do interior do Brasil, principalmente o interior
do Paraná, tendo em vista que nesses locais havia as condições necessárias que
tal “doença social” se desenvolvesse da forma como iremos tratar na sequencia.
Para melhor
esclarecer, devemos tratar da origem e da amplitude desse termo “mensalão” que,
como já afirmamos no início não passava de uma relação digamos de
confraternização entre vencidos e vencedores em pleitos municipais para
escolher “prefeitinhos” como o ex-senador Mão Santos costumava tratar seus
correligionários lá do Piauí. Só que não é do Piauí e sim do Paraná os prefeitinhos
que iremos abordar.
Originariamente
esta relação não era tratada ou vista como um esquema de corrupção e sim como
uma prática saudável de se atingir a paz nos governos. Havia corrupção, mas
havia também assédio moral, ‘bulling’ e perseguição política. Pois estamos
tratando de algo que nasceu junto com a ditadura militar de 1964.
O termo
mensalão como já colocado, não seria o mais apropriado, porque, no início como
até em outros exemplos que proliferam pelo país, não havia uma periodicidade determinada,
muito menos mensal. O que havia e o que há é sim a compra de apoio político: um
“cala boca”, tão conhecido dos políticos brasileiros, mas nada de mensal, ou
mesmo anual. Eu prefiro denominar essa prática como: “compadrismo moderno”. Ou
seja, a mesma prática usada pelos antigos coronéis da velha república para
amansar seus correligionários mais afoitos.
“Só que agora, esse compadrismo tem outras variáveis e ganhou força como
a constituição que estabeleceu à modernidade do “estado de welfare” cujo legado
foi a ‘nova república”.
O local onde nasceu esse novo rebento da política
brasileira, não foi nas grandes metrópoles e nem nas cidades tradicionais do
nordeste e do sudeste. Eu vi nascer o mensalão nos pequenos municípios do
Paraná, cuja origem eram de recente processo de colonização iniciado nos anos cinquenta,
por companhias inglesas do Norte do Paraná.
Essas
áreas recém-colonizadas viu nascerem rapidamente dezenas de novos municípios que
começavam sua vida política juntamente com o novo ‘establishment’ ou seja, a “ditadura
militar”. Imagine o quadro social ora vigente: Com a expulsão dos ocupantes da terra
(caboclos paranaenses e índios), nas décadas anteriores, cria-se um vazio demográfico de terras férteis.
Aplica-se um modelo de colonização à inglesa, que não tinha nenhum interesse em
manter a “cultura” ou religião dos expulsos e também dos que chegavam. Assim, se dá origem ao processo colonização.
Chegavam aos
milhares, na sua maioria homens rudes: agricultores, analfabetos, pessoas
simples, que deixaram para traz suas crenças, assim chegadas de todos os
rincões da nação se amalgamavam em torno de uma e única capela, depois igrejas
católicas. Depois essa mesma leva de trabalhadores seriam novamente expulsos da
terra, formando novas levas de migrantes que darão continuidade ao ciclo vicioso
de implantação do capitalismo baseado no agronegócio. Bem esse era o quadro,
uma região ainda, despolitizada com um caldo de cultura insignificante, formado
por uma população de pessoas simples com o desejo de desbravar, progredir, construir
um lar uma família, uma cidade.
Para o fim a que se propunha o quadro político-social
vigente não poderia ser melhor. As novas condições políticas vigentes a partir
da implantação dos atos institucionais, por parte do governo central,
principalmente o AI5, com o fim das liberdades democráticas, o fim dos direitos
individuais do cidadão, isso não atrapalhava em nada o processo que ali se
desenrolava, ao contrario era fator positivo. Afinal, ninguém queria briga política
queria sim, plantar e colher, comprar e vender, ou seja, se dar bem na vida,
brigas só as passionais e por embriagues nas vendas cobertas de poeira vermelha
e cheirando aguardente.
Por esse
processo, a década de 60 viu centenas de municípios se formarem no Paraná, a de
70 viu esse modelo de governança crescer e se espalhar para outras regiões e
outros estados. Assim, logo as assembleias estaduais passaram a dar suporte
intelectual a essa prática cujo aprendizado se dera por migrantes que deixavam
o Paraná partindo, principalmente para outras fronteiras agrícola e pecuária da
região norte que naquela época começavam
a receber o bagaço do processo de colonização do sul.
Nas décadas
seguintes esse “compadrismo moderno” já contaminava a política de boa parte dos
estados a região norte, pois que iniciavam processo de colonização semelhante.
Só que agora não mais sob tutela de empresas inglesas e sim dos militares, a
chamada a “marcha para o oeste”, cujo lema: “uma terra sem homens para homens
sem terra”.
O que ocorreu no Paraná foi à verdade um “laboratório
político” de manter o poder, a custa da destruição do meio ambiente e da cujas
consequências são visíveis hoje em toda república. O que fomentava essa prática denominada aqui
não mais de mensalão e sim de “compadrismo moderno”? Posso afirmar que era a “paz do silêncio" que apoiava aquele "desenvolvimento a qualquer custo”e cujo objetivo era por aquela bela floresta
no chão e plantar café, algodão, cereais e criar gado e "produzir alimentos para o mundo"?
As
comunidades desenvolviam-se rapidamente o que demandava uma forma própria de
fazer política, que seguindo a cartilha dos ditadores não questionassem o
destino e o futuro se não daquelas populações, pelo menos da exuberante
floresta subtropical existente e que sem piedade era destruído. Nessas regiões
não existem matas ciliares ou reserva legal, tudo foi desmatado, o preço, ainda
esta para ser pago.
Bem o quadro
político vigente era de um grupo do governo a ARENA, e outro do governo também
chamado MDB. Os verdadeiros opositores do regime foram caçados, mortos ou
expulsos do país. Imagine uma região onde não existe um caldo de cultura, não
se tem tradição cultural, familiar e política, tudo conspirava para o
nascimento do que viria a ser chamado “mensalão”. Com as eleições municipais, a
cada quatro anos, o quadro era de partido e candidatura única, em sua maioria.
Mas que democracia era essa que não tinham adversários. Passa-se a criar adversários
fictícios, depois gente vê como fica.
Assim era comum despacharem candidatos a vereadores, os menos espertos para as
legendas de “oposição”. Na verdade não
existia nenhum interesse por parte daqueles colonos principiantes da politica
em ser da oposição, mas aconselhados pelos mais “espertos”. Diziam: Depois a
gente senta e acerta a casa, de forma que ninguém se prejudique. Ninguém deles –
é claro.
Assim nas
décadas de 60, 70, 80... Viu-se as coisas darem “certo para alguns”, e nas
campanhas eleitorais repetiam-se as siglas Arena x MDB, depois PDS x PMDB, e
assim por diante, até os dias de hoje com PSDB x PT e PT X ninguém? A verdade é que
pouca coisa mudou.
Os acontecimentos que se seguiram foi que as
maiorias dessas pessoas tiveram que entregar suas terras aos bancos, ou vende-las
a quem tinha mais capital, devido a uma falta de política agrícola por parte
dos governantes. A miséria instalou-se,
milhares de boias frias se formavam nas periferias após perderem suas terras os
que conseguiram sair com algum dinheiro, foram para o norte do país reproduzir
o laboratório do norte do Paraná. Nessa região de fato não havia oposição, como
não existe até hoje. Pode ser de qualquer legenda, nessa região terminadas as eleições o acerto
entre as partes é sagrado, de forma que tudo volte a reinar na mais absoluta “paz
silenciosa”.
O que de
fato acontecia: Ora toda eleição é desgastante, um candidato fala mal do outro,
envolvem as famílias, acusações e maledicência de lá e de cá, ou seja, um vale
tudo no palanque, mas política mesmo, nada. Agora, se ainda se perde a eleição,
se fica dependendo da caridade do prefeito eleito, que deverá dar-lhe uma
indenização, um “cala boca” e assim, os supostos opositores serram fileira
junto com o grupo vencedor.
De forma
que o “prefeitinho” eleito chama os adversários, perdedores ou não para uma
conversa, na qual expressa sua vontade de pacificar a comunidade e governar
“para todos”. Compromete-se a com ajuda financeira, àqueles que tiveram algum
prejuízo, um emprego para a filha, nora ou amante no posto de saúde, outro
cargo no gabinete, na Câmara, etc. e tal! O objetivo era fazer que se acabassem as
rivalidades “políticas”, que na verdade nem eram políticas e sim pessoais, já
que a verdadeira política estava banida.
Todos deveriam se comprometer com a governança do eleito.
É claro, a compra
de votos, o favorecimento e outras práticas espúrias da política também faziam
parte, só que isso sempre houve e não era uma exclusividade dos prefeitinhos,
mas isso de estabelecer uma governança nos moldes do compadrismo e como a
ditadura exigia só quem sabia fazer e bem como exclusividade da região, digamos
o ‘modus operandi’ da nossa “democracia”. Isso era o diferencial, eliminar
através da corrupção qualquer tipo de ameaça à paz.
A verdade é que não havia oposição, os
partidos de oposição eram de fachada para encobrir a ideologia de estrema
direita que reinava sob o domínio dos velhos políticos matreiros, capachos dos militares
e executados pelos “prefeitinhos do Paraná”. Assim, viu-se o modelo político nesses grotões criarem vida própria se
estabeleceram em toda a república, seja nos parlamentos estaduais e federais
assim como em todas as esferas do executivo.
Agora, porque afirmar eu tal prática nasceu
daí?
Como afirmado os tempos já são outros a modernidade já se
instalara no país.
No Nordeste isso não seria possível em virtude das antigas e
também funesta práticas de guerras familiares ou de clãs para obter ou
permanecer no poder. No sul, tais condições não imperavam, e tais práticas eram
abominadas pelos que estavam chegando de certa forma expulsos de seu torrão de
origem em virtude delas. Portanto não se admitiam rivalidades, por isso era
necessário se estabelecer a paz.
No Paraná
essa prática foi tão difundida que virou ‘modus operandi’ consolidando-se sem
que houvesse denúncias. Já em Rondônia o Mensalão fez água e veio a público
embora a imprensa nunca quisesse de fado apurar a origem de tal ferramental de
governança. Assim isso que os senhores denominam mensalão não é exclusividade
de uma pessoa ou partido, é uma prática que hoje esta enraizada em todas as
prefeituras do Brasil, com maior ou menor intensidade, pois se não: quem não
quer a paz politica no seu município?
Porque
me propus a elaborar tais conceitos?
Há muito tempo a imprensa vem falando do assunto, porém sempre de forma parcial, sem ir mais a fundo no tema e sempre querendo
colocar o Sr. José Dirceu como o bode expiatório da história o mensalão. Não
sei se ele esteve envolvido em tais práticas. Agora coloca-lo como mentor, criador da prática, isso é simplismo demais ou ma fé mesmo. Para quem conhece sua trajetória
política fica difícil acreditar no que a imprensa diz, ser ele o criador do
mensalão.
Com certeza é conhecedor da realidade de que tratei, pois viveu
nessa mesma região. Ocorre que em sua defesa está a sua história política, que ninguém pode contestar. Quando do
golpe militar, foi contra esse modelo de governança estabelecido por esses
fantoches da ditadura que não sabem o que é uma democracia. Assim José Dirceu
preferiu ingressar na luta contra o regime, a ser um prefeitinho da ditadura. Foi
preso, banido e retornou clandestinamente ao país. È claro que o José Dirceu conhece e viveu de
perto esse laboratório e talvez tenha mesmo feito uso de argumentações
semelhantes, pois infelizmente ainda é a política rasteira que impera. Por isso
penso que não é admissível atribuir a culpa exclusiva a ele pela criação do
monstro, de forma a mais uma vez livrar os
verdadeiros algozes: os golpistas de então, políticos e militares.
É claro que a justiça deve apurar e
julgar sem com isenção. O que me refiro é que vivemos numa sociedade pluralista
e, portanto, nem todos os dedos da mão são iguais. O que acho simplória por parte
de parte da imprensa e de alguns intelectuais saudosos desse período é tentar
colocar o José Dirceu e o PT como criadores dessa aberração política. Que de
certa forma produziu certa paz silenciosa em toda a nação, levando ao que
conhecemos como “o milagre brasileiro”, portanto teve lá suas compensações, mas
o que não conhecemos ainda é o custo desse modelo. Pois só aquele que não faz
da política o instrumento para atingir objetivos particulares e pessoais sabe que
não existe mais de uma ética, a única é a ética civilizatória, capaz de
transpassar o tempo.
A
conclusão mais dura a que se chega é: ainda esta para se colher a safra do que
se plantou nos anos de exceção. Infelizmente á ética da política brasileira foi
violentada nesse período e está ainda carente de pessoas capazes de construir
uma governança sem precisar coagir, difamar, comprar e perseguir. Essa seria a
ética civilizatória capaz de construir a verdadeira paz, não silenciosa e sim
barulhenta, necessária a uma boa governança.
Por V.J.O
Obs. não se trata de um texto de exopolítica, mas bem que poderia ser.